Sobre Good Omens (série de TV)
Há algum tempo alguém comentou no twitter sobre a adaptação para dublagem no Brasil da série da Amazon “Good Omens”, que acrescenta pontos interessantes ao diálogo. Eu não tenho a intenção de julgar o trabalho de um colega tradutor, tenho certeza de que existem motivos para as adaptações e que tudo foi aprovado, mas vou falar aqui a minha opinião sobre o assunto, e um ponto específico dessa dublagem, pois sempre tenho em mente o ditado “traddutore, tradittore”, que me incomoda muito como tradutora: até onde podemos ir na adaptação e ainda assim sermos fiéis ao texto original? Ok, o ditado italiano sugere que tradutores são traidores, mas será que somos? No fundo, todos nós somos escritores, acredito. Eu sei que sou, então a tentação de tornar o texto “melhor” (do meu ponto de vista) está sempre presente.
Mas minha ideia aqui é analisar um ponto muito específico da tradução, na série de TV Good Omens, baseada no livro de Terry Pratchet e Neil Gaiman, o termo “anjo” usado pelo personagem Crowley (um demônio) para se dirigir ao personagem Aziraphale (um anjo) parece uma maneira “descolada” de se dirigir a alguém usando sua qualificação em vez de seu nome, e, nesse caso em particular da obra, tem um duplo sentido, já que Crowley quer ser “descolado”, mas também é completamente apaixonado pelo anjo Aziraphale, então, ele acha que pode chamá-lo de anjo sem comprometer sua “frieza cool” ou declarar seu amor. Na versão dublada em português no Brasil, Crowley diz “meu anjo” e, na minha opinião, isso simplesmente elimina todo esse jogo de palavras e escancara o carinho com que ele se dirige a Aziraphale, alterando a dinâmica dos dois personagens. Acho que seria a mesma coisa em inglês. Se a intenção fosse o tratamento direto e íntimo, o texto diria “my angel” e não “angel”. De forma muito ingênua, ele está tentando ser neutro, mas ao mesmo tempo muito consciente de que “angel” também é uma forma carinhosa de se dirigir a alguém, mas “disfarçada”. (sim, anjos e demônios são muito ingênuos na trama e nós adoramos isso).
O que quero dizer é que, embora seja interessante ver esse tratamento amoroso mais aberto entre eles em português, a versão em inglês deixa a interpretação para a excelente atuação de Michael Sheen e David Tennant na tela com posturas, atitudes e olhares que mostram o desejo deles, sem palavras diretas.
E esse é, de fato, o principal problema deles: eles não dizem o que precisa ser dito. Além disso, na infame última cena, Aziraphale, em português, acrescenta um “querido” ao dizer que “nada dura para sempre”, que é de cortar as entranhas e, embora esteja presente nos olhos e na postura de Michael Sheen, não está no texto original, e não sei como me sinto em relação a esse acréscimo, pois ele também superexpõe os sentimentos que originalmente estavam escondidos nas entrelinhas.
Ok, este era para ser um comentário sobre tradução, intenção e traição, mas como fã do livro e da série de TV, acho que não consegui fazer isso. Espero que minhas divagações façam sentido, de qualquer forma.